domingo, 13 de junho de 2010

É o silêncio ...

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.

Olha-me a estante em cada livro que olha.

E a luz nalgum volume sobre a mesa...

Mas o sangue da luz em cada folha.


Não sei se é mesmo a minha mão que molha

A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.

Penso um presente, num passado. E enfolha

A natureza tua natureza.

Mas é um bulir das cousas... Comovido

Pego da pena, iludo-me que traço

A ilusão de um sentido e outro sentido.

Tão longe vai!

Tão longe se aveluda esse teu passo,

Asa que o ouvido anima...


E a câmara muda. E a sala muda, muda...

Afonamente rufa. A asa da rima

Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda

Novo, um fantasma ao som que se aproxima.

Cresce-me a estante como quem sacuda

Um pesadelo de papéis acima...

.......................................................................

E abro a janela. Ainda a lua esfia

últimas notas trêmulas... O dia

Tarde florescerá pela montanha.


E oh! minha amada, o sentimento é cego...

Vês? Colaboram na saudade a aranha,

Patas de um gato e as asas de um morcego.


Pedro Kilkerry


CAMPOS, Augusto de. ReVisão de Kilkerry. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

Nenhum comentário: