sábado, 29 de maio de 2010

Do rigor da lei

Tudo o que é científico ou que tem valor de lei geralmente é considerado como a mais pura expressão de civilidade, justiça e verdade. Embora esta afirmação seja bastante razoável por um determinado ponto de vista, não consigo me apegar a ela, pois considero a lei muitas vezes a supressão máxima da individualidade em favor de um mecanismo já pronto e que supostamente serve para toda a coletividade. Não, raro leitor, não defendo aqui o famoso "jeitinho brasileiro". Muito menos trato de alguma tese que fale sobre qualquer sentimento de "sobranceria". Para explicar-me, comentarei uma situação que sempre me traz reflexões interessantes, mesmo sendo realmente banal. Trata-se daquilo que certa vez um poeta chamou, sabiamente, de "sublime cotidiano". Ei-la: por andar sem carro nas madrugadas desta Pauliceia Desvairada, recorro sempre aos ônibus e, mais raramente, ao táxi. Portanto, em situação de emergência, já precisei muitas vezes dar sinal ao motorista fora do ponto. Ora, a lei não especifica horário para seu cumprimento. É lei e ponto final. Já experimentei as duas possíveis reações dos condutores. Quando passam direto, mesmo sabendo que não há mais veículos em circulação ou que esperarei um bom bocado por outro, sei que estão cumprindo a lei, à risca. Seguro-me para não xingá-los, pois eles estão certos: cumprem simplesmente o que já está estipulado como regra. Quando param, mesmo que bem longe do ponto, admiro a sensibilidade humana, a capacidade de transgredir a lei em prol de alguém que, já meio bêbedo, está precisando de uma cama. E sempre penso, com muita convicção, que eles também estão, sobretudo, certos.

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